A Tecnologia Aplicada ao Tratamento dos Transtornos Ansiosos
fevereiro 7, 2017
Como Desenvolver Resiliência e ser Mais Feliz
fevereiro 7, 2017
Mostrar tudo

As Pista da Mentira

A mentira é uma característica tão central na vida, que um melhor conhecimento desta será relevante para a compreensão de quase todos os comportamentos humanos (Ekman, 1985).

Pode-se imaginar algumas situações em que se faz necessário identificar a mentira, situações onde esta pode ter uma implicação grave, muito diferente da mentira social: 1) Um psicólogo, ao entrevistar um detento, a fim de elaborar uma avaliação de soltura, deverá ter conhecimentos para detectar a mentira, pois será um dos responsáveis pelo ajustamento deste à sociedade; 2) Um juiz, ao dar o veredicto final de um processo, deve estar atento aos sinais indicadores de mentira a fim de proceder com justiça; 3) Um empresário poderá evitar problemas futuros se estiver habilitado para reconhecer tais sinais, ao estabelecer uma negociação.

Comportamentos não-verbais podem indicar contradições entre aquilo que o paciente diz e o que se manifesta em seu comportamento, sendo que o terapeuta pode utilizar tais dados em seu trabalho terapêutico, assinalando, por exemplo, as contradições entre o que o paciente mostra com seu corpo e aquilo que diz.

Pode-se definir mentira como o ato de enganar alguém, deliberadamente, sem antes notificá-lo de tal intenção. Assim, de acordo com esta definição, quando se joga pôquer, ao omitir informações sobre seu jogo, você não estará mentindo, pois espera-se que um bom jogador blefe durante a partida. Da mesma maneira que o jogador de pôquer, um ator não espera que seu público acredite que os sentimentos que ele expressa sejam reais. Por outro lado, existe o auto-engano, situação na qual aquele que falseia informação acredita naquilo que diz, logo, não está mentindo (Ekman, 1997).

Segundo Ekman (1985) existem várias formas de mentira: omitir informação verdadeira, falsificar ou apresentar informação falsa como sendo verdadeira, admitir uma emoção dando uma origem falsa para sua causa, contar a verdade falseando-a ou admitir a verdade de maneira tão exagerada que pareça mentira, falar apenas parte da verdade, ou dizer a verdade de forma a parecer o oposto do que é dito.

A seguir abordamos as pistas não-verbais que indicam quando alguém está mentindo.

Sinais da Mentira

Mentimos com mais facilidade com as palavras do que com nossas gesticulações ou posturas corporais. É verdade que as pessoas podem exibir um rosto simpático, construir um sorriso falso e fingir que estão com raiva. Elas podem, ainda, ser falsas nas suas ações, bem como com as palavras, mas apenas quando sabem mais ou menos o que fazer.

Embora, o “bom mentiroso” emita um menor número de sinais com o corpo e com a face, conseguindo suprimir a maior parte dos movimentos de contorção do corpo, restam quase sempre alguns pequenos movimentos corporais (Morris, 1996; Morris, 1978) e faciais (Ekman, 1985) difíceis de se eliminar. Esses movimentos podem limitar-se a micro expressões faciais e a ligeiras alterações de peso ou pressão, sendo que esses indícios podem ser detectados caso o ouvinte esteja alerta para eles.

Gestos

As pistas que mais facilmente podem ser suprimidas quando mentimos são os gestos. Existem alguns tipos de gestos que merecem atenção:

1) Emblemas são sinais gestuais que, dentro de uma cultura, possuem um significado preciso, sendo usados em lugar de uma palavra ou quando não se pode falar. Os emblemas aparecem cortados e/ou incompletos quando a pessoa mente, surgindo, geralmente, fora da região de apresentação (entre pescoço e quadris). Como exemplos de emblemas, na cultura ocidental, temos o levantar os ombros em sinal de interrogação ou incerteza e o balançar a cabeça em sinal de “sim” ou “não”. Pessoas mentindo levantam sutilmente um dos ombros antes de responder a algumas perguntas, promovendo, desta forma, um sinal de mentira (Ekman,1985). Em resumo, pode-se dizer que os sinais emblemáticos aparecem, deixando escapar informações ocultas, fora da região de apresentação, quando mentimos.

2) Ilustradores são gestos diretamente ligados à fala. Os ilustradores servem apenas para enfatizar ou ilustrar o discurso.Os estudos sobre mentira indicam que há uma tendência das pessoas usarem menos ilustradores quando falseiam uma informação. Na mentira, os ilustradores aparecem fora de sincronia com o discurso. Por exemplo, ao enumerarmos tópicos ilustrando com os dedos (um, dois, três, quatro, etc) estes aparecem atrasados em relação à contagem verbal.

3) Manipuladores ou Adaptadores: Os manipuladores ou adaptadores são gestos que não estão diretamente relacionados à fala. Caracterizam-se como movimentos de auto-manipulação, como coçar o nariz, passar a mão no cabelo, esfregar o queixo, etc. A freqüência de manipuladores aumenta quando a pessoa está tensa e ansiosa (não necessariamente quando está mentindo). Entretanto, como muitas pessoas sentem-se tensas e ansiosas quando estão mentindo, estes gestos podem aparecer nestas ocasiões, em função de um maior “desconforto psicológico”.

Paralinguagem

De acordo com Rector e Trinta (1990), a paralinguagem remete a uma série de ocorrências na linguagem, mas que não fazem parte da Língua. Assim temos: a) Variações de altura e intensidade da voz, não previstas no sistema de entonação; b) as pausas; c) sons que não fazem parte da Língua, como os risos e suspiros; d) outras qualidades da linguagem articulada, como a ressonância.

Embora tenhamos um grande controle sobre o conteúdo de nossa fala, a paralinguagem pode muitas vezes nos trair, fornecendo pistas de que estamos mentindo. Destacamos a seguir alguns sinais paralinguísticos da mentira:

1) Fala: torna-se mais alta e menos fluente na simulação. Hesitar no início da fala, particularmente se a hesitação ocorrer quando alguém estiver respondendo a uma pergunta, pode ser um sinal de mentira (Ekman, 1985).
2) Pausas: podem ser mais longas e/ou mais freqüentes quando as pessoas mentem. É como se fosse necessário parar para pensar antes de responder uma pergunta.
3) Tom de Voz: de acordo com a literatura, quanto mais nervosa está uma pessoa mais aguda fica sua voz. Como as pessoas, em geral, ficam nervosas quando mentem, uma voz mais aguda pode ser indicador de mentira. Por outro lado uma pessoa pode estar nervosa por razões outras que não seja o medo de ser pego mentindo.

Face

As pessoas possuem maior dificuldade de mentir com a face do que com as palavras. Quando falamos, podemos nos monitorar com a audição. O mesmo não acontece com as expressões faciais autênticas, que, além de não possuírem um sistema de feedback sensorial, são involuntárias e possuem um tempo de duração relativamente curto. Inibir uma expressão facial espontânea pode ser muito difícil, e nem sempre estamos atentos o suficiente para antecipar sua ocorrência e controlá-la a tempo de escondê-la com outra expressão. Por outro lado, pode-se dizer que demonstrar na face uma emoção que não é sentida nem sempre é possível, porque as vias neurais subjacentes às expressões espontâneas e às expressões posadas são diferentes, e os músculos faciais respondem de maneira diferente a estímulos provenientes de cada uma. Estas são algumas pistas faciais indicadoras de que a pessoa está mentindo sobre suas verdadeiras emoções:

1) Expressões quebradas aparecem quando o sujeito percebe que uma expressão vai aparecer e tenta controlá-la, conseguindo-o apenas em parte. O resultado é que apenas alguns sinais da expressão total aparecem. Comumente, o sorriso ou uma expressão falsa é criada para encobrir a expressão original.
2) Timing. Expressões verdadeiras são demonstradas rapidamente na face. Se a expressão não é verdadeira, esta tende a permanecer na face por mais tempo que o usual.
3) Expressões Assimétricas: existem evidências de que as expressões voluntárias (não espontâneas) são assimétricas, enquanto que as involuntárias (espontâneas) não o são.
4) Localização: Se a expressão de uma emoção aparece depois das palavras relativas a esta, provavelmente ela é falsa. Normalmente, a expressão de uma emoção genuína aparece junto com as palavras e até alguns segundos antes.
Conclusão

Nesta breve exposição enumeramos apenas algumas pistas não-verbais da mentira. Esse conhecimento representa um instrumento importante para o reconhecimento desta. Com isso não queremos sugerir que a mentira possa ser desvendada por uma “receita de bolo”. O estudo sério e científico requer sua contextualização no âmbito total do comportamento. Os indícios aqui resumidos são apenas uma amostra do que a psicologia experimental vem pesquisando no campo da percepção da mentira.

Referencia

Ades, C. (1992). Psicologia Experimental II. Textos Apostilados. São Paulo: Departamento de Psicologia Experimental (IPUSP).

Castanho, A. R. S. P. (1996). A face de crianças deficientes visuais: expressões de emoções e percepção social de seus sorrisos. São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (Tese de dotourado não publicada)..

Davis, F. (1979). A Comunicação Não-Verbal. São Paulo: Summus..

Ekman, P. & O’Sullivan, M. (1991). Who can catch a liar ? In, American Psychologist, 46 (9), 913-920. Ekman, P. e Friesen, W. (1974). Detecting Deception Fron the body or Face. In, Journal of Personality and Social Psychology., 29 (3), 288-298..

Ekman, P., Friesen, W.V. e O’Sullivan (1988). Smiles When Lying. In, Journal of Personality and Social Psychology. 54 (3), 414-420. Ekman, P. (1985). Telling Lies. New York: W.W. Norton & Company. Ekman, P. (1997). Lying and Deception. In Memory for Everyday and Emotional Events. Mahwuah, New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, Publishers..

Ekman, P. & Friesen, W (1984). Facial Deceit. Em, Unmasking The Face. Palo Alto: Consulting Psycologist Press..

Ekman, P. & O’Sullivan, M. (1991). Who can cacht a lier ? American Psycologist, 46 (9), 913-920. Machado, D. (1995). Regras de Demonstração na Expressão das Emoções. Em, Motivação e Emoção. Rio de Janeiro: Apostila Geral (PUC-RIO)..

Matsumoto, D. (1990). Cultural similarities and differences indisplay rules. In, Motivation and Emotion, 14(3), 195-214..

Morris, D. (1978). Você. São Paulo: Círculo do Livro..

Morris, D. (1996). A linguagem do Corpo. Em, O Animal Humano: Uma Perspectiva Pessoal da Espécie Humana.Lisboa: Gradiva..

Portella, M.C., Machado, D., Manhães, V. & Lima, S.A. (1995). Percepção da Mentira. Em, Motivação e Emoção. Apostila Geral, Rio de Janeiro: PUC-RIO. Ribeiro, A. S. (2000). O papel das expressões faciais de emoções e do sorriso nas relações interpessoais. Cadernos de Psicologia, 4 (4), 7-15..

Otta, E. (1994). Verdadeiro e Falso. Em, O Sorriso e Seus Significados. Petrópolis: Vozes. Rector,.

M.e Trinta, A.R. (1985). Comunicação Não-Verbal. Petrópolis: Vozes Rector, M. e Trinta, A.R. (1990). Comunicação do Corpo. São Paulo: Ática..

Riggio, R. E, e Friedman, H. S. (1983). Individual Differences and Cues to Deception. In, Journal of Personality and Social Psychology.,45 (4), 899-915. Vrij, A. (1993). Credibility Judments of Detectives: The Impact of Nonverbal Behavior, Social Skills, and Physical Characteristics on Impression Formation. In,, The Journal of Social Psychology, 133(5), 601-610..

Zuckerman,M., Koestner, R. e Alton, A. O. (1984). Learning to Detect Deception. In, Journal of Personality and Social Psychology., 29 (3), 519-528.

Autores

Mônica Portella & Maurício Canton Bastos

Os comentários estão encerrados.